Os médicos portugueses estão a chamar a atenção para o facto de existirem outras doenças a exigir a atenção do Serviço Nacional de Saúde e que estão a ser desvalorizadas, por conta do surgimento da pandemia de Covid-19.
Devido à crescente preocupação em relação ao Covid-19, houve um agravamento das listas de espera para consultas e cirurgias, diagnósticos que ficaram por realizar e tratamentos que ficaram por fazer. Estes são os principais problemas, que podem resultar em graves consequências para os doentes e para o país, que ainda não se conseguem apurar.
O alerta foi dado por vários médicos e pelo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que afirma que comparativamente a 2019, no primeiro semestre de 2020, em termos de medicina física e de reabilitação foram feitos menos 7.840.535 tratamentos, ou seja a atividade caiu em 36%; em radiologia a atividade caiu 37%; nas análises clínicas foram realizados menos 27% dos atos; na área das endoscopias altas e baixas foram realizadas menos 41% das intervenções; e no campo da cardiologia foram feitos menos 35% dos exames, para citar apenas alguns exemplos.
Segundo avança o SAPO, no caso dos acidentes vasculares cerebrais (AVC), uma situação que exige tratamento urgente, houve uma redução de cerca de 25% a 40% das ativações da linha de emergência, nomeadamente porque os casos ligeiros evitaram a ida ao hospital. ”Um quadro major tem de vir ao hospital, mas os casos ligeiros não vieram e inclusivamente alguns deles foram recomendados pelo pré-hospitalar a não vir, porque estávamos em pandemia, e isto seguramente vai ter consequências nefastas”, refere Ana Paiva Nunes, coordenadora da Unidade Cerebrovascular do Hospital de São José, em Lisboa.
Porém, ”nada foi mais nefasto na área dos AVC e parte cerebrovascular do que o cancelamento da reabilitação. Fazemos o esforço de mantermos a funcionar tudo o que é emergente, mas depois não temos a noção de que este esforço não é tão eficaz se não dermos ao doente a reabilitação. A reabilitação parou completamente e isso trouxe consequências devastadoras para a vida de cada doente. E isto não pode voltar a acontecer”, acrescentou a médica.
O mesmo <conteceu na área da doença de Parkinson, onde apesar de se ter substituído a consulta presencial pela consulta à distância, a ausência de terapias continuadas presencialmente, como a reabilitação física, a terapia da fala ou a terapia ocupacional, fez com que muitos doentes piorassem. «Os doentes confinados em casa não só não faziam a reabilitação como deixaram de caminhar e ficaram muito mais sedentários. Isto levou à queda de massa muscular, o que teve bastante impacto na capacidade motora dos doentes», explicou Miguel Coelho, neurologista no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Os médicos veem a nova estação com muita preocupação, devido à conjugação do aumento de casos de COVID-19, com a época de gripes e constipações. Alertam também que muitos médicos estão ocupados com tarefas que poderiam ser feitas por outras entidades. Para o bastonário, «é importante que a estratégia para o outono/inverno preveja que os médicos de família fiquem mais libertos para ver os seus doentes habituais».