Um estudo que contou com a participação do Laboratório de Genética Molecular do ITQB NOVA acaba de revelar a presença de Staphylococcus aureus resistente a diferentes
antibióticos em Cabo Verde.
A primeira análise genómica de uma coleção de Staphylococcus aureus isolados das
fossas nasais de doentes e profissionais de saúde num país Africano acaba de ser
publicada por uma equipa de investigadores Europeus e Africanos, incluindo o
Laboratório de Genética Molecular do ITQB NOVA e a Escola Superior de Saúde da Cruz
Vermelha Portuguesa de Lisboa.
A análise tem por base o trabalho iniciado há quase 25 anos, quando a equipa liderada por Hermínia de Lencastre, do ITQB NOVA, realizou o primeiro estudo de vigilância sobre S. aureus em hospitais de Cabo Verde, adianta um comunicado do ITQB NOVA.
Se a altura não foram encontradas amostras desta bactéria resistentes à meticilina, essa situação alterou-se substancialmente desde então. O S. aureus é uma bactéria muito comum nos seres humanos, responsável por uma grande variedade de infeções, desde infeções da pele e tecidos moles a doença invasiva.
Segundo aquele comunicado, a sua elevada capacidade de adquirir resistência aos antimicrobianos e a sua virulência levaram ao aparecimento de estirpes multirresistentes, como os MRSA, que constitui uma das principais ameaças bacterianas a nível mundial e responsável por 34,8% das infeções invasivas por S. aureus em Portugal em 2019, valor muito acima da prevalência média europeia de 15,5%.
Estudos sobre as taxas de prevalência de colonização por MRSA nos Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que têm uma estreita relação demográfica e
económica com Portugal – foram, durante muitos anos, quase inexistentes. A equipa
liderada por Hermínia de Lencastre tem–se dedicado ao tema desde 1997, quando foi
realizado o primeiro estudo de vigilância nos hospitais de Cabo Verde sob a supervisão
de Marta Aires de Sousa, na altura membro da equipa de investigação do ITQB NOVA.
“Pacientes e profissionais de saúde foram submetidos ao rastreio nasal para determinar
a presença de S. aureus, mas nessa altura não foi identificada nenhuma amostra de
MRSA”, explica Hermínia de Lencastre citada no comunicado do ITQB NOVA.
Em 2013 e em 2014 foram realizados novos rastreios em hospitais de Cabo Verde no
âmbito de um projeto coordenado por Marta Aires de Sousa, presidente do Conselho
de Direção da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa – Lisboa, em
colaboração com Hermínia de Lencastre e Teresa Conceição, do ITQB NOVA.
A vigilância foi alargada a outros países PALOP, nomeadamente São Tomé e Príncipe e Angola, bem como a Timor Leste. Num total de 2.065 amostras nasais recolhidas, a prevalência de MRSA foi muito elevada em Angola (61,6%), moderada em São Tomé e Príncipe (25,5%), baixa em Cabo Verde (5,6%), e nula em Timor Leste.
“Os resultados do projeto foram transmitidos e apresentados localmente nos PALOP para apoiar as estratégias de controlo de infeção locais”, explica Marta Aires de Sousa. Dada a disponibilidade das amostras e o extraordinário potencial da sequenciação genómica para o estudo de S. aureus, foi realizada uma caracterização aprofundada da coleção de amostras de Cabo Verde recolhidas nos três períodos de vigilância (1997, 2013 e 2014).
O estudo, publicado no Journal of Global Antimicrobial Resistance, descreveu a primeira análise do genoma total de uma coleção de S. aureus de colonização nasal, isolada num período de tempo longo, num país Africano.
“Encontrámos uma elevada variabilidade genética entre amostras de S. aureus, com a
deteção de 27 perfis alélicos (ou sequence types (ST)) onde se salientaram três grupos
genéticos maioritários associados às linhagens clonais ST152, ST15 e ST5, responsáveis
por infeções não só em África, mas em todo o mundo”, explica Teresa Conceição.
Este estudo permitiu compreender a evolução global e adaptação da resistência aos
antibióticos dos primeiros isolados de MRSA identificados em Cabo Verde. Embora a
utilização de antimicrobianos ainda seja limitada no país, há um aumento progressivo e
preocupante da resistência aos antibióticos, sendo urgente a implementação de
medidas preventivas adicionais.
O estudo foi desenvolvido em colaboração com Marco R. Oggioni do Departamento
de Genética e Biologia Genómica da Universidade de Leicester, no Reino Unido, e com
investigadores e médicos de hospitais e da Universidade de Cabo Verde.
O estudo foi apoiado pelo Global Challenges Research Fund Networking Grants, da Academia
Britânica de Ciências Médicas e pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, e realizado no âmbito de projetos financiados pelos fundos FEDER através do COMPETE2020 –
Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (financiamento da
Unidade de Investigação MOSTMICRO) e pelo projeto ONEIDA, cofinanciado pela FEEI –
“Fundos Europeus Estruturais e de Investimento” pelo “Programa Operacional Regional
Lisboa2020″.